terça-feira, 24 de maio de 2011

Cidadão quem

Falta aula de sabedoria. Onde, na escola, discute-se filosofia, amor, ética ou costumes a fundo?
DEVE ter passado pela cabeça estatística de Dominique Strauss-Kahn, durante o suposto ataque sexual, a chance de ele ser preso. Fez uma conta, mesmo que psicologicamente perturbada, e errou. Talvez pela primeira vez, já que é expert em matemática e deve ter tirado primeiro lugar na matéria desde o jardim de infância.
Não deve ter sido diferente com o "inseminador do futuro" Arnold Schwarzenegger, nem com a versão tupiniquim de Strauss-Kahn, o escorregadio Roger Abdelmassih.
A questão é a da matemática - e da probabilística. Como o Bill Clinton também, são pessoas que estavam no ápice de suas profissões, de impressionantes inteligências e que não conseguem manter o zíper fechado. Patologias? Certamente.
Doença mental? Também, com variações.
Mas tudo tem elo com a escola e a formação da pessoa como um todo.
Como não mede sabedoria, a escola não tem espaço para ela, apenas para equações de terceiro grau.
Nessas matérias, todos esses cidadãos imperfeitos e selvagens foram bem. Receberam ovação dos pais, da escola, dos Enem's.
E a formação no que realmente interessa para ser um cidadão pleno, com inteligências quantitativa e emocional equilibradas? Aparece no Pisa? Não. Então, por pressão dos pais e da sociedade, não se perde tempo com isso.
Falta aula de sabedoria. Onde, na escola, discute-se filosofia, amor, ética ou costumes a fundo? Onde há um projeto que poderia ser chamado de "Cidadão Quem"? Uma aulinha por dia - de "leitura do mundo", digamos, onde se questionem as manchetes e o professor confesse que não sabe tudo - bastaria.
Onde, no currículo, discutem-se as questões civilizatórias? O direito à eutanásia, o uso da burca ou os poderes que o dinheiro compra?
Valeria entender a corrupção como peça estrutural na engrenagem humana, ou a questão das centenas de japoneses que estão se contaminando na limpeza do reator nuclear - são eles, afinal, heróis, funcionários comuns em serviço ou simplesmente trouxas?
A arrogância de sexualmente submeter uma mulher pode ser evitada em aulas de sabedoria. Afinal, 497 mil paulistas elegeram um deputado que diz que, em havendo vontade sexual, pode-se estuprar, mas não matar (Strauss-Kahn teria seguido a orientação?). Faltou aos eleitores essa aula. A mesma que evitaria que experts em decoreba tornem-se essa multitude de líderes emocionalmente analfabetos.
O MEC já permite que se empurre aulas de trigonometria para dar espaço a aulas subjetivas como essas.
Mas nenhuma escola o faz. Pensemos na implementação. As camareiras do mundo ficariam aliviadas.

RICARDO SEMLER, 51, é empresário. Foi scholar da Harvar d Law School e professor de MBA no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Foi escolhido pelo Fórum Econômico de Davos como um dos Líderes Globais do Amanhã. Escreveu dois livros ("Virando a Própria Mesa" e "Você Está Louco") que venderam juntos 2 milhões de cópias em 34 línguas. Escreve a cada 14 dias neste espaço.

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